Recentemente descobrimos que muitos brasileiros gostariam de morar
em outro país, desenvolvido, claro. Os números mais exatos surgem numa simples
pesquisa na internet: êxodo de brasileiros. Não compreender o por quê, ou
duvidar das razões, parece-me um sério sinal de problemas de leitura da
realidade, uma cognição que não apreende o cenário brasileiro por “falta de
preparo” ou por baixa exposição a contextos diferentes, onde pessoas se
transformam em dados de referência, assim como oportunidades de afeto e
empatia. Desde a mais tenra idade adulta, o brasileiro percebe que será
bastante exigido em suas qualidades e defeitos, como se o país fosse uma
entidade semiconsciente e faminta, gigante, prestes a devorar seus habitantes
humanos, mas de forma lenta, sem pressa, sem muitas exigências de higiene ou
predileções específicas. Sim, ainda mais quando temos a oportunidade de
conversar com pessoas de outras nacionalidades ou que tiveram a chance de viver
em algum país, dito, de primeiro mundo. As diferenças tornam-se mais gritantes
se a pessoa obteve sucesso econômico, pois pode demonstrar toda a parafernália
de consumo tão cara aos liberais mais empedernidos, colocando-se, ainda que sem
pretensão, no podium dos vencedores de sua geração - imagine-se tendo dinheiro
no Brasil e depois experimente ver o que fazem por aí com fortunas; por imagens
de rede sociais é até mais interessante o contraste, a sensação de fracasso, ou
“falta de mérito”, lhe cairá sobre a cabeça, e o corpo todo se ressentirá dirão
os mais sensíveis. Dito isso, é fácil compreender que qualquer oportunidade de
trabalho mais “bem recompensado” ou mesmo o desejo de conhecer lugares novos
com-grana-no-bolso, ainda que só pareça e nem seja condizente com a realidade,
será atraente e avassalador nos corações mais carentes de perspectivas. A
vontade de conforto não está isolada na lista de desejos internacionais, vem
depois do item sobrevivência: a queda do poder de compra junto da enxurrada de
más notícias saindo de todos os buracos das mídias informativas, TODO SANTO DIA,
é capaz de amolecer o mais heroicos, arrefecer o mais determinado, sendo que o
mais importante é notar o caráter histórico de tal constatação: vivemos
sentimentos e emoções desesperançosos há anos, desde as gerações anteriores a que
tivemos acesso e aos livros de história nacional. O resultado de tanta
desigualdade e viralatismo instalados em nós é o êxodo. Qualquer um que leia
este texto, poderá relativizar o que vivemos com algo do tipo “o país sempre
teve problemas, este é só mais um e passará”, mas incorrerá no grave erro da
amenização, preguiçosa e não-empática, que acomete aqueles que não acreditam em
mais nada; é preciso reconhecer os sinais de cansaço que têm levado inúmeras
pessoas ao desespero, aos consultórios, para que suas psiques sejam consertadas.
No entanto, a anestesia prolongada pode levar o sujeito ao extremo da
insensibilidade, que é uma espécie de niilismo profundo, por falta de termo
melhor. A imensa bolha Brasil deixa de fora uma pequena parcela, ricaça, que
adora pensar que ajuda pescadores a pescarem, quando, no máximo, diz que
existem apetrechos de pesca por aí: vá buscá-los! Em países desenvolvidos a
corrupção é menor? Creio que tão grande quando aqui, talvez menos sistêmica,
mais pulverizada por suas elites de poderes multinacionais, com tentáculos
econômicos dando formato e regras para nós: “por lá, naqueles países quentes e
mais atrasados, ganharemos muito dinheiro e os faremos se desenvolver, desde
que colaborem conosco”, devem pensar - mantenhamos nossos sonhos de vida
comportados e “merecedores”. O ponto cego da relativização nos coloca sob o
peso desproporcional de nossos próprios erros e “falta de pernas” para correr
na mesma velocidade em que eles correm: esqueçamos de questões coloniais ou
imperialistas contemporâneas, essa a proposta!
O êxodo brasileiro tem origens claras e caminha por trilhas já bem conhecidas
por povos menos estruturados, ou sobreviventes, que o nosso. Talvez, mais do
que buscar dados mais precisos ou decantar as razões das cabeças que tomaram a
decisão de ir embora daqui, para começar, devemos nos debruçar sobre a urgente
necessidade de agentes políticos (sim, nós mesmos!) que se expressem na vida
brasileira cotidiana: da conversa em família aos encontros regados a
cervejinhas, em bares, escolas, campos de futebol de várzea, etc., criando em
nós a capacidade de dialogar, sem ofensas ou ranger de dentes, sobre qualquer
assunto, mesmo que espinhoso e cheio de quinas como é a política. Apesar de
tudo o que temos vivido nos últimos anos, falar sobre política ainda carece de
informação de qualidade e interesse! Sem admitir a fundura do buraco em que nos
metemos jamais sairemos dele, frase feita e intuída. Já vivemos entre espinhos
e quinas verde-amarelas, mas, ao mesmo tempo, nos utilizamos de cicatrizantes e
analgésicos, o que nos mantém estagnados e mornos, indignados por uns cem
metros somente; a criatura que nos morde os couros, aqui na terra papagalli,
deve se surpreender com nossa capacidade de reinterpretar a dor como “faz
parte” e deve se impressionar com a quantidade de cicatrizes que ostentamos e
encobrimos. Ainda, o desespero suportável e o niilismo carnavalesco compõem
nossas entranhas de alguma maneira e, na mesma medida, a adaptabilidade, a inconstância
e a mudança são funções já bem instaladas em nossos algoritmos mentais, por
isso, não estranhe, a solução do êxodo ser possível e plausível. Vá e encontre
suas soluções, aqui ou em outro lugar! Afinal, não vivemos em um mundo
globalizado? Que o mundo todo nos receba de braços abertos, assim como fazemos
com todos, ou a maioria, dos que aportam em nossas terras, não finjam os
estrangeiros que não conhecem as regras do casamento global: na alegria e na
tristeza.
sábado, 18 de dezembro de 2021
Na alegria e na tristeza
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