sábado, 18 de dezembro de 2021

Na alegria e na tristeza

Recentemente descobrimos que muitos brasileiros gostariam de morar em outro país, desenvolvido, claro. Os números mais exatos surgem numa simples pesquisa na internet: êxodo de brasileiros. Não compreender o por quê, ou duvidar das razões, parece-me um sério sinal de problemas de leitura da realidade, uma cognição que não apreende o cenário brasileiro por “falta de preparo” ou por baixa exposição a contextos diferentes, onde pessoas se transformam em dados de referência, assim como oportunidades de afeto e empatia. Desde a mais tenra idade adulta, o brasileiro percebe que será bastante exigido em suas qualidades e defeitos, como se o país fosse uma entidade semiconsciente e faminta, gigante, prestes a devorar seus habitantes humanos, mas de forma lenta, sem pressa, sem muitas exigências de higiene ou predileções específicas. Sim, ainda mais quando temos a oportunidade de conversar com pessoas de outras nacionalidades ou que tiveram a chance de viver em algum país, dito, de primeiro mundo. As diferenças tornam-se mais gritantes se a pessoa obteve sucesso econômico, pois pode demonstrar toda a parafernália de consumo tão cara aos liberais mais empedernidos, colocando-se, ainda que sem pretensão, no podium dos vencedores de sua geração - imagine-se tendo dinheiro no Brasil e depois experimente ver o que fazem por aí com fortunas; por imagens de rede sociais é até mais interessante o contraste, a sensação de fracasso, ou “falta de mérito”, lhe cairá sobre a cabeça, e o corpo todo se ressentirá dirão os mais sensíveis. Dito isso, é fácil compreender que qualquer oportunidade de trabalho mais “bem recompensado” ou mesmo o desejo de conhecer lugares novos com-grana-no-bolso, ainda que só pareça e nem seja condizente com a realidade, será atraente e avassalador nos corações mais carentes de perspectivas. A vontade de conforto não está isolada na lista de desejos internacionais, vem depois do item sobrevivência: a queda do poder de compra junto da enxurrada de más notícias saindo de todos os buracos das mídias informativas, TODO SANTO DIA, é capaz de amolecer o mais heroicos, arrefecer o mais determinado, sendo que o mais importante é notar o caráter histórico de tal constatação: vivemos sentimentos e emoções desesperançosos há anos, desde as gerações anteriores a que tivemos acesso e aos livros de história nacional. O resultado de tanta desigualdade e viralatismo instalados em nós é o êxodo. Qualquer um que leia este texto, poderá relativizar o que vivemos com algo do tipo “o país sempre teve problemas, este é só mais um e passará”, mas incorrerá no grave erro da amenização, preguiçosa e não-empática, que acomete aqueles que não acreditam em mais nada; é preciso reconhecer os sinais de cansaço que têm levado inúmeras pessoas ao desespero, aos consultórios, para que suas psiques sejam consertadas. No entanto, a anestesia prolongada pode levar o sujeito ao extremo da insensibilidade, que é uma espécie de niilismo profundo, por falta de termo melhor. A imensa bolha Brasil deixa de fora uma pequena parcela, ricaça, que adora pensar que ajuda pescadores a pescarem, quando, no máximo, diz que existem apetrechos de pesca por aí: vá buscá-los! Em países desenvolvidos a corrupção é menor? Creio que tão grande quando aqui, talvez menos sistêmica, mais pulverizada por suas elites de poderes multinacionais, com tentáculos econômicos dando formato e regras para nós: “por lá, naqueles países quentes e mais atrasados, ganharemos muito dinheiro e os faremos se desenvolver, desde que colaborem conosco”, devem pensar - mantenhamos nossos sonhos de vida comportados e “merecedores”. O ponto cego da relativização nos coloca sob o peso desproporcional de nossos próprios erros e “falta de pernas” para correr na mesma velocidade em que eles correm: esqueçamos de questões coloniais ou imperialistas contemporâneas, essa a proposta!
O êxodo brasileiro tem origens claras e caminha por trilhas já bem conhecidas por povos menos estruturados, ou sobreviventes, que o nosso. Talvez, mais do que buscar dados mais precisos ou decantar as razões das cabeças que tomaram a decisão de ir embora daqui, para começar, devemos nos debruçar sobre a urgente necessidade de agentes políticos (sim, nós mesmos!) que se expressem na vida brasileira cotidiana: da conversa em família aos encontros regados a cervejinhas, em bares, escolas, campos de futebol de várzea, etc., criando em nós a capacidade de dialogar, sem ofensas ou ranger de dentes, sobre qualquer assunto, mesmo que espinhoso e cheio de quinas como é a política. Apesar de tudo o que temos vivido nos últimos anos, falar sobre política ainda carece de informação de qualidade e interesse! Sem admitir a fundura do buraco em que nos metemos jamais sairemos dele, frase feita e intuída. Já vivemos entre espinhos e quinas verde-amarelas, mas, ao mesmo tempo, nos utilizamos de cicatrizantes e analgésicos, o que nos mantém estagnados e mornos, indignados por uns cem metros somente; a criatura que nos morde os couros, aqui na terra papagalli, deve se surpreender com nossa capacidade de reinterpretar a dor como “faz parte” e deve se impressionar com a quantidade de cicatrizes que ostentamos e encobrimos. Ainda, o desespero suportável e o niilismo carnavalesco compõem nossas entranhas de alguma maneira e, na mesma medida, a adaptabilidade, a inconstância e a mudança são funções já bem instaladas em nossos algoritmos mentais, por isso, não estranhe, a solução do êxodo ser possível e plausível. Vá e encontre suas soluções, aqui ou em outro lugar! Afinal, não vivemos em um mundo globalizado? Que o mundo todo nos receba de braços abertos, assim como fazemos com todos, ou a maioria, dos que aportam em nossas terras, não finjam os estrangeiros que não conhecem as regras do casamento global: na alegria e na tristeza.


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