sábado, 6 de junho de 2020

Nos arrabaldes está a floresta

 
Nos arrabaldes está a floresta 
o uirapuru-verdadeiro , pássaro canoro , é desses fenômenos vivos , que só podem ser imitados , e a unicidade é um poder no mundo material , d'um dourado intangível vivo , algo em que se medita , que de olhos cerrados , é coisa flamífera , que sai ilesa do bucho do ar , ar de nervuras , titânico , éter pandêmico , pandeiro , voluto ; esse pássaro que canta , e desova uma kilonova , no céu estômago , um bucho na semiosfera 

o canto ressoa , a beleza engole o uirapuru , que retorna e canta de novo , um pássaro ouroboros 
o canto ressoa , a beleza nos engole, ficamos imóveis de novo , sonhando fugir de sísifos , sonolentos-atônitos  
o corpo e nós e o inconsciente , os três , querem voar agora mas-não , são como três super magnetos  

desses que nos vendem , por lojas na internet 

... 

o uirapuru , canoro , verdadeiro 
os três super magnetos 
se Encontram nos arrabaldes 
onde há floresta 
" 

 

 

 

2020/06/06 
Fred

Zoológico

O tigre não tem dúvidas espirituais, ou existenciais.  

Há muitas jaulas. 

O cuidador de felinos e pernas finas como seus braços coloca uma meia enrolada dentro da cueca, com elásticos antifalhas, enquanto inveja os caninos brancos do felino – as balas de sua espingarda atravessam sua memória e somem 

A mais magra de todas as veterinárias usa batons gritantes como as costas daqueles anfíbios venenosos, mas em tons vermelhos estelares. Suas próteses glúteas e mamárias inflam e murcham discretas entre flertes e despretensões. 

Há testículos doloridos. 

Um inseto preto lustroso, com detalhes em azul lantejoula, se apaixona pelos lábios vermelhos estelares. 

Mas antes, a picada aguda do inseto, fura o cuidador: vaza sangue, vontade de potência-e-músculos. 

A veterinária se esquiva enquanto despenca o braço gigante sobre o inseto apaixonado, que sobrevive furioso. 

O cuidador chora e sente dor - a meia está muito grande. 

Uma academia de musculação vizinha exala muitos suores, que irritam o tigre que não entende quais animais aquelas criaturas suadas, lentas e repetitivas caçam. 

Os glúteos verdadeiros estão inflamados e constrangidos. 

O cuidador veste aquelas meias para aliviar os calos dentro dos sapatos. 

A veterinária vê uma antiga fotografia, com o corpo jovem e original - sente saudade de ficar nua e mergulhar no mar. 

O tigre medita sobre seus pulmões solenes e lembra-se de sua infância africana. 

 

 

 

2020/06/05 
Fred

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Encontro e jardim

 

O encontro é um jardim.  
A sábia tem os cabelos livres, entre cinzas e prata, aponta alguns besouros pretos e formigas alaranjadas e diz que vê palavras entre seus movimentos, que predizem um amor diamantino e ventura breve ao casal pungido, que precipita lágrimas, numa admiração repentina por cabelos prateados. Consuelo tem vincos cavados à sorriso, fala em tom de santuário as advertências e em quase riso as coisas fartas e felizes, o que inocula uma vontade-de-ficar-aqui no casal carente de certezas. Seu vestido fulgura tons verdes, vinhos, calliandras e céus aquarelados – logo os olhos visitantes ali bebericam, inebriados. Biscoitos de nata aguardam, intactos, para serem degustados em tímidos dez bocados. O papo ziguezagueia entre vermes e demônios brasileiros e pequenos lamentos, de quem tateia a vida com os calcanhares, e redenções ponderadas. Tudo importa, Consuelo diz sem piscar, fixa um e depois o outro: diz sobre os poderes do amor, quando se suja e como será lavado - com boca de cachoeira, vaza – traz com as mãos erguidas coisas invisíveis de cimos divinos para pousá-las sobre as mãos do antigo casal..., agora um novo ser de quatro braços. Besouros e formigas dispersam, pois as esperanças já foram comunicadas. Consuelo disfarça o frêmito, admira a criatura de quatro pernas, corações contíguos, recém-formada, ainda crua para lidar com as informações do futuro otimista ofertado. O antigo casal não sabe o que faz com o corpo unido, as duas cabeças pacificadas e próximas, mas coordenam-se até o totem do transporte público – emoldurados pela janela da vate, que, neste momento, paira sobre o tapete ecumênico. Aos poucos, a bolha de enlevo se desmancha, dois nós de uma hora se desfazem, e todos percebem, sincrônicos e separados, as bênçãos das pausas na loucura que não tarda a descabelar. 

 

 

 

 

2020/06/01 
Fred