O tigre não tem dúvidas espirituais, ou existenciais.
Há muitas jaulas.
O cuidador de felinos e pernas finas como seus braços coloca uma meia enrolada dentro da cueca, com elásticos antifalhas, enquanto inveja os caninos brancos do felino – as balas de sua espingarda atravessam sua memória e somem.
A mais magra de todas as veterinárias usa batons gritantes como as costas daqueles anfíbios venenosos, mas em tons vermelhos estelares. Suas próteses glúteas e mamárias inflam e murcham discretas entre flertes e despretensões.
Há testículos doloridos.
Um inseto preto lustroso, com detalhes em azul lantejoula, se apaixona pelos lábios vermelhos estelares.
Mas antes, a picada aguda do inseto, fura o cuidador: vaza sangue, vontade de potência-e-músculos.
A veterinária se esquiva enquanto despenca o braço gigante sobre o inseto apaixonado, que sobrevive furioso.
O cuidador chora e sente dor - a meia está muito grande.
Uma academia de musculação vizinha exala muitos suores, que irritam o tigre que não entende quais animais aquelas criaturas suadas, lentas e repetitivas caçam.
Os glúteos verdadeiros estão inflamados e constrangidos.
O cuidador veste aquelas meias para aliviar os calos dentro dos sapatos.
A veterinária vê uma antiga fotografia, com o corpo jovem e original - sente saudade de ficar nua e mergulhar no mar.
O tigre medita sobre seus pulmões solenes e lembra-se de sua infância africana.
2020/06/05
Fred
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