sábado, 6 de junho de 2020

Zoológico

O tigre não tem dúvidas espirituais, ou existenciais.  

Há muitas jaulas. 

O cuidador de felinos e pernas finas como seus braços coloca uma meia enrolada dentro da cueca, com elásticos antifalhas, enquanto inveja os caninos brancos do felino – as balas de sua espingarda atravessam sua memória e somem 

A mais magra de todas as veterinárias usa batons gritantes como as costas daqueles anfíbios venenosos, mas em tons vermelhos estelares. Suas próteses glúteas e mamárias inflam e murcham discretas entre flertes e despretensões. 

Há testículos doloridos. 

Um inseto preto lustroso, com detalhes em azul lantejoula, se apaixona pelos lábios vermelhos estelares. 

Mas antes, a picada aguda do inseto, fura o cuidador: vaza sangue, vontade de potência-e-músculos. 

A veterinária se esquiva enquanto despenca o braço gigante sobre o inseto apaixonado, que sobrevive furioso. 

O cuidador chora e sente dor - a meia está muito grande. 

Uma academia de musculação vizinha exala muitos suores, que irritam o tigre que não entende quais animais aquelas criaturas suadas, lentas e repetitivas caçam. 

Os glúteos verdadeiros estão inflamados e constrangidos. 

O cuidador veste aquelas meias para aliviar os calos dentro dos sapatos. 

A veterinária vê uma antiga fotografia, com o corpo jovem e original - sente saudade de ficar nua e mergulhar no mar. 

O tigre medita sobre seus pulmões solenes e lembra-se de sua infância africana. 

 

 

 

2020/06/05 
Fred

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