segunda-feira, 1 de junho de 2020

Encontro e jardim

 

O encontro é um jardim.  
A sábia tem os cabelos livres, entre cinzas e prata, aponta alguns besouros pretos e formigas alaranjadas e diz que vê palavras entre seus movimentos, que predizem um amor diamantino e ventura breve ao casal pungido, que precipita lágrimas, numa admiração repentina por cabelos prateados. Consuelo tem vincos cavados à sorriso, fala em tom de santuário as advertências e em quase riso as coisas fartas e felizes, o que inocula uma vontade-de-ficar-aqui no casal carente de certezas. Seu vestido fulgura tons verdes, vinhos, calliandras e céus aquarelados – logo os olhos visitantes ali bebericam, inebriados. Biscoitos de nata aguardam, intactos, para serem degustados em tímidos dez bocados. O papo ziguezagueia entre vermes e demônios brasileiros e pequenos lamentos, de quem tateia a vida com os calcanhares, e redenções ponderadas. Tudo importa, Consuelo diz sem piscar, fixa um e depois o outro: diz sobre os poderes do amor, quando se suja e como será lavado - com boca de cachoeira, vaza – traz com as mãos erguidas coisas invisíveis de cimos divinos para pousá-las sobre as mãos do antigo casal..., agora um novo ser de quatro braços. Besouros e formigas dispersam, pois as esperanças já foram comunicadas. Consuelo disfarça o frêmito, admira a criatura de quatro pernas, corações contíguos, recém-formada, ainda crua para lidar com as informações do futuro otimista ofertado. O antigo casal não sabe o que faz com o corpo unido, as duas cabeças pacificadas e próximas, mas coordenam-se até o totem do transporte público – emoldurados pela janela da vate, que, neste momento, paira sobre o tapete ecumênico. Aos poucos, a bolha de enlevo se desmancha, dois nós de uma hora se desfazem, e todos percebem, sincrônicos e separados, as bênçãos das pausas na loucura que não tarda a descabelar. 

 

 

 

 

2020/06/01 
Fred

Nenhum comentário: