
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
Bairro_BOla
Crônica 01
Na prática a esfera brilhante, linda e condominial chama minha atenção por seu tamanho, sua exuberância, exalando sua superioridade tecnológica e...
Silenciosa, como se fosse a coisa mais normal do mundo convivermos com um trambolho flutuante, desejável e curioso, é claro, mas também incompreensível.
Assim sendo, chovem críticas, mais elogios na realidade, convencendo-nos que isso sim é mais uma engenhosa artimanha para uma vida paradisíaca e confortável e futura! E é aqui que me incomoda um pouco esta proposta.
Marx se estivesse vivo, acredito eu, estaria bem cansado pela idade avançada e seria um dos expoentes em defesa de um melhor aproveitamento dessas esferas; que cada dia mais nascem com tecidos novos e bem fecundados por infindáveis financiamentos públicos e privados. Tenho curiosidade de conhecer por dentro um desses bairros bola - o apelido infiltrou-se até em pesquisas acadêmicas. Porém contento-me em aceitar que ainda não atingi a iluminação orçamentária, requisito imperativamente necessário para ascender minha moradia aos céus. Meus pés diariamente relembrados das forças gravitacionais que os regulam caminham por mim, pois nem percebo o quanto é bacana ficar observando e caminhando enquanto vejo a esfera se deslocar cuidadosamente para além da avenida.
Gostaria de conhecer algum morador de lá. Saber como se sentem, o que fazem todos os dias, porque não saem de lá e evitam expor para o mundo o que comem, que dormem e trabalham por lá mesmo.
A fama de quem vai morar “nas esferas” acaba por virar lenda urbana - a maioria das pessoas não tem como comprovar que seus vizinhos felizardos mudaram-se para o alto.
Eles nunca descem.
O sentimento de que tudo é efêmero e pouco mudará sua rotina traz consigo uma verdade muito palpável: realmente a vida não muda com as notícias das novidades maravilhosas, portanto não interessam muito. E esses balneários imaginários levitantes pouco produzem além da boataria. Isso não quer dizer que passam despercebidos dos olhares, até, mais desatentos. Contudo, sabemos que uma hora ou outra seremos seduzidos ou abduzidos por eles.
Faminto sensorialmente, mentalmente e emocionalmente não deixo de perceber que a separação de mundos está além de uma contingência inofensiva, mas continuo a desejar dessas maravilhas que insistem em povoar nosso imaginário como se elas pudessem ser legitimadas apesar de suas origens. Esse condicionamento é incômodo.
O que importa saber é que a sensação escorregadia de queda para as bordas não me incomoda por seus efeitos indefinidos ou imperceptíveis até o momento, mas por sua aparente arquitetura simbólica, refletora, aristocraticamente política e pouco afetiva. Essa aproximação que empreendo a uma idéia de realidade, que sequer sei como é, aparenta me manter mais consciente de minha vida, apesar de permanecer longe destas maravilhas que não tardarão em bater à minha porta. Concomitantemente o sentimento de impotência não mais me domina, aceitei a distância de outras realidades serenamente.
Mas que ninguém pense que todos daqui de baixo desaperceberam-se do desejo de isolamento, minimizando contatos mais diretos, que todos ficam babando desejos enrustidos, alheios a algumas verdades sobre as invenções do mundo.
O despertar é contínuo.
O que eles devem suspeitar é fácil de confirmar: flutuando ou alçando pequenos vôos, continuamos a observá-los com os pés no chão.
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02/03/09