domingo, 30 de janeiro de 2011

Na mesa de cirurgia:

Querer falar sobre algo que não se conhece por inteiro;

realizar-se sob pensamentos e atos
Que não encontram reverberação na sociedade
ou correspondência com seu ritmo interno.
Desbravar a selva de nossa ignorância em relação à qualquer assunto.
E ainda assim sair vitorioso.
Esperançoso, perto do momento da morte,
ou na expectativa de desligar-se deste mundo,
De flutuar aos céus sob luzes e sensações gloriosas
a dominar- lhe o corpo e a mente.

Eis a questão.

Transcender sob limitação.
Candidatar-se aos percalços de buscar conhecimento
e mudar atitudes e rotinas.
Transcender pela mente e esperar o corpo e os atos
traduzirem isto ao mundo
E ter paciência.

Eis a questão.

Desenvolver uma linguagem própria e, ao mesmo tempo histórica,
Que possa ser lida e compreendida por todos que nos tateiam as expressões,
Meio embaçados, turvos, trôpegos, porém decididos em nos compreender
Para ter a chance, não racional, de criarem suas próprias identidades e
E darem sentido ao mundo (seu mundo).

Eis a questão.

Como tirar leite de pedra. Com ferramentas delicadas
e nem sempre bem acabadas:
Cognição, epistemologia, filosofias, gnoses e agnosia,
memórias e esquecimento.
Aliás, o que significam mesmo?

Eis a questão para não desistir de tudo.
Funcionam.

Pois sejam lá quais forem os portais que se abram no momento da morte.
Importam os fortes que abriram seus corpos,
como se abrem as feridas e as flores.
Todos os corpos
que formam nossos pensamentos, emoções, órgãos e imaginações.
E esses corpos que se formam quando dizemos e pensamos
que somos ou estamos dessa ou
Daquela forma.
Essas f(ô)rmas que moldam e agregam todos os significados
que damos e identificamos para nós mesmos.

Nós esses que se desatam quando simplesmente fazemos o que pensamos.
Com toda responsabilidade e perdão necessários para compreender
que o que nos dá discernimento e aprendizado
começa por tatear o que significa amar.
...
De volta, de novo, observo da janela, a terra e as estrelas.
Coloco meus óculos de descanso, arrumo a camisa, amarro o tênis,
uma pequena coceira nas cicatrizes cutâneas.
Um sorriso e um novo dia.
Daqui alguns minutos começarão os transplantes.
Biomáquinas substituirão minha pele e coração.
Definitivamente, não serei mais humano, mas um outro.

Fred – 16/01/2011
Coleção Híbridos – Futuro Desconhecido

Um comentário:

Anônimo disse...

Incrível!

Um dos que mais me afetou.

Assim como "falar sobre algo que não se conhece por inteiro", tenho o "ouvir sobre algo que não se conhece por inteiro".

Assim são os seus textos para mim. Mas, isso não é um problema. É um estímulo. Nos obriga a refletir, quando temos vontade para isso.

Questionamentos profundíssimos os seus nesse texto. A morte, o ser, entendimento e expressão, etc.

Como eu já disse algumas vezes, dariam muito o que falar. Mas, talvez melhor, dão muito o que refletir.

Obrigado pelo texto e abraço forte.

Rodrigo Lima