quarta-feira, 22 de julho de 2020

Um algoritmo em nuvem

 
De alguma maneira puder ver, por uma nesga generosa do Tempo, uma pequena nuvem de partículas furta-cores perto de minha boca, e depois desaparecendo nas imediações de meus lábios, num formigamento breve, pinicando, porque entrava pelos poros e mucosa: um algoritmo em nuvem. A missão, cumprida, era contrair os músculos do meu rosto em forma de um sorriso sincero. Resisti o quanto pude. Saiu um sorriso amarelo e bochechas vermelho-melancia. Provavelmente, alguém filmou. Para usar em alguma manipulação de satisfação comprovada – talvez, porque nesta rua haja propaganda de segurança privada: olhem como as pessoas andam e são felizes, pois sentem segurança e liberdade. Dias depois, numa sessão mediúnica, recebi mensagem anônima: as pessoas que monitoraram a minha invasão, pequena possessão muscular, perceberam minha resistência e praguejaram o fracasso, o sorriso fora falso. Sorri e ri, até, com aquela sinceridade que arregaça as veias. Orei e prometi resistência. Gargalharei de vitória cada vez que eu não sorrir. Com os punhos fechados eu saí da sessão. E orei como oram as harpias, com as plumas eriçadas.  
 
 
 
 
2020/07/05   
Fred

Nenhum comentário: