sexta-feira, 29 de maio de 2020

Couro de lesma

A realidade é que ninguém sabe quando começou, por que ou as causas que movimentaram o solo por toda parte do planeta. 

Começou com crianças contando aos seus pais que o gramado da chácara estava se mexendo, enquanto surfavam, por sobras de caixas de papelão, as ondas de grama e terra similares ao mar. 

Aquele comportamento marítimo das  superfícies da terra se manifestaria em todo o globo.  

O jeito molusco de se revolver, a musculatura subterrânea, a ondulação preguiçosa das planícies e planaltos, o encolhimento e o esticar de pescoço de colinas, montes e montanhas agudas feito colossais couros de lesma. 

O reino mineral ganhara uma malemolência tropical. Agora, ajeita-se inquieto. 

O planeta manifesta alguma coisa de suas entranhas. Insta a impermanência da vida de maneira mais aguda que todo o antes: tremendo as bases de todas as almas vivas, suas casas e calçadas. 

A hipótese nunca comprovada que ganhou vida por mais tempo foi a de que precisávamos de uma extração xenomórfica: algo enorme se instalara bem debaixo de nossos pés e consumiria o planeta caso não interviéssemos. 

O transe da autoverdade continua a subir. A desinformação é a explosão primordial, gênese de toda a argamassa pegajosa que constitui os mais resilientes mitos e ficções: pois andam conosco e vemos suas deformações. 

Outros, pessimistas, acham que a Terra sempre foi assim, e que, agora, nossas mentes capacitaram-se a perceber.  

Se as cidades não foram destruídas por completo necessitam de postura vigilante, incansável e industriosa de nossa parte, todos os seres vivos, em produzir meios de sobrevivência e materiais flexíveis, ritmados às vezes. Uma dança inextricável e diligente. 

Nossas casas recebem manutenção diária.  

Estudamos todos os dias, viscerais, os lugares mais propensos à calmaria. Por ali conseguiremos dormir por mais tempo, deitados. 

Estamos na fase inicial da aceitação.  

Fico imaginando uma tempestade dos solos, tempestade de chão, mas não, nunca houve, ainda. 

O planeta é coisa vetusta, não se remexeria para se livrar de nós. Eu acho... 

Um chão impaciente tem efeitos duradouros sobre qualquer índice de estabilidade psíquica. Sentir o corpo reequilibrar-se por horas, a paciência testada e esparramada sobre outras posteriores horas pode ser tortura ou guerra, mas sempre será alerta e luta. 

Aceite, que doerá menos”. 

Tem diversão, também destruição, tem oportunidade em flor, tem reconstrução e labuta, tem deslumbramento nas montanhas que se revolvem preguiçosas, mas dói.  

Às vezes é incrível, mas dói.  

Cosmos, Universo! A terra inerte descansava minha alma. 

A vertigem. 

A vertigem. 

 

 

 

 

2020/02/22 

Fred

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