sexta-feira, 29 de maio de 2020

Vidro de conserva

 

Um homem curtido num grande vidro / De conserva, uma iguaria – imerso / Mergulhado em tons oliva / Entre alhos e cebolas pequenas / Pimentas e espesso azeite / Alecrim e irracionalidade / De estar ali sendo curtido / Em conserva, dentro do grande vidro / Prende a respiração / Arregala os olhos quando / Fechá-los era o objetivo / E dormi-los, porque é noite / E não entende por que / Todos os dias tenta dormir ali / Imerso no azeite turvo / Tem o desencanto de sair de dentro / Engordurado, apressado e curvo / Para tomar um bom banho / Quente pra desengordurar e tomar / Uma xícara de chafé / Comer bolacha e ir trabalhar / Esse homem com a respiração presa / Dentro do vidro de conserva / Receita brasileira / Sairá dali pronto para não acreditar / Em ninguém e nenhuma esperança / Que não seja um prato de comida / Sequer saberá da angústia / Que compõe seus nervos e vísceras / Por que agride a mulher e os filhos / Sequer saberá sobre o que sente / Por que a raiva quando queria chorar / Sequer saberá que dorme em conserva / Sequer entende a oleosidade toda / Sequer entende que é um ingrediente / Sequer entende que é comida / Que poderá terminar os seus dias / Dentro d’estômagos, de várias barrigas / Que fazem mais de três / Refeições ao dia / Mas uma hora / Uma hora paralela / Deixará de ser sabujo jogará / Pra longe a tampa vai bicar / O vidro até quebrar / Queporr'éessa, vai se virar / E não desperdiçará nada / Vai lavar tudo o que ajudava / A lhe temperar / E, como nunca, / É possível entrevê-lo, ígneo / Comerá  

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2020/05/22 
Fred

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