sexta-feira, 29 de maio de 2020

Síntrop e o surgimento particular de uma molécula de discernimento

Um concurso à fantasia.  

Veem mas não acreditam. Acreditam no concurso à fantasia. Me aplaudem como um efeito especial, riem e voltam a conversar. 

Vestem-se desse tipo de distopia, suas fantasias de personagens pop, sem saberem que são distópicos, sem se saberem um pequeno táxon delirante, diante de tantos outras espécies delirantes e distópicas. 

O que quer que se faç'aqui é simulacro, engenho pop e, logo de imediato, os cérebros treinados pra descartar experiências diretas buscarão outro foco. 

O que é você?  

Sou uma comunidade de células bioartificiais. 

Diga mais, por favor. 

Há uma célula central com um banco de dados e algoritmos acumulados que acessam as memórias de todas as outras células. Ela é habitada por alguma vontade, que é empreendida por uma entidade chamada espírito.  

Um espírito está dentro de você dizendo o que deve pensar ou fazer? 

O espírito lança sua vontade e nós avaliamos e executamos da maneira que temos acesso, mantemos o nosso equilíbrio interno de energias e preservamos o maior número de possibilidades abertas de expansão e sintropia. s, porque todas as células contribuem com suas memórias e, caso abriguem alguma entidade, a exposição de sua vontade. Tudo em nós tende ao fluxo sintrópico de nossas energias. 

Por que o nome Síntrop? Ah, tá, já saquei... 

É uma abreviação de sintropia. 

“O estômago. Ele pergunta, está curioso, mas seu estômago é um poderoso adversário. O estômago...” 

Você precisa ter um nome? 

Sim. Quando não sou percebido por algum sensor ou sentido ganho corpo com um nome. Quando tenho corpo possuo presença e emano informação, daí meu ser é construído pelo interlocutor, dentro dele, e estou tatuado em suas memórias. 

“Ele não sabe o que é sintropia". 

Esse cara é bom. Muda suas formas entre algo Transformers da Hasbro e Ultron da Marvel e cardume de anchovas prateadas; ora se desfaz em poeira, por inteiro ou por partes, um quebra-cabeças, um enxame . 

De onde você vem? 

Não é oportuno que se diga, por enquanto, pois você dá sinais de possível desestruturação psíquica, de acordo com os seus testes e relatório de conjuntura. 

“Ansioso”. 

Identifico algumas anomalias celulares e pequenas desnutrições em seu corpo.  

Permita-me que intervenha. Só preciso produzir analgesia e assepsia, e de algum tempo. Preciso tocá-lo com um dedo. Sem dor. Só silêncio.  

“Ele não acredita, mas não tem forças para dizer não. Poderia matá-lo ou escravizá-lo se quisesse”. 

Um pitbull-rinoceronte entra no recinto, enorme com um. E seu dono não está fantasiado. 

... É, ok, você que está dizendo. He, é, hehe. Afinal, é o diferente daqui, o único querendo ser único, mesmo. Tá todo mundo voando, se me virar do avesso serei somente o Homem-do-Avesso. 

O dedo dele é morno. Robôs podem ter um corpo quente? Espero. Sinto algumas cócegas. E mais nada. Deve ter acabado?”. 

Tempo. 

Pronto. Sugeri algumas edições psíquicas que lhe desbloqueiarão grupos musculares, atenuarão sonhos específicos de pavor e possibilitarão tendências de bom humor matutino. 

Seus sonhos distantes de força e heroísmo, com crescimento acelerado e gigantismo kaiju, kaijin ou daikaiju não lhe chamarão atenção; isto não comprometerá suas coleções de esculturas plásticas articuladas; talvez, alguma sensação de incompetência econômica tardia. 

Um homem fantasiado de curupira, tem os pés empantufados virados para frente, “porque, aí, não dava, né parcêro", recebe um pequeno troféu por melhor performance: é um sol de alegria e seu corpo é outro sol, encoberto de panos. 

Uma mulher vestida de górgona ajeita a piruca de cobras, falha mais uma vez em transformar alguém numa estátua de pedra, mas sente que suas íris quase douradas congelam por alguns instantes um homem-das-cavernas. 

Um homem-aríete de sete perucas empilhadas ameaça com uma possível cabeçada para destruir uma pilastra: o mais letal é seu perfume de centavos aninhado nos sovacos.  

Minha fantasia de godzilla é um insucesso... mas cara, esse biorobô, !, é convincente, e, provavelmente, real! Quando se desintegrou e se recompôs foi foda! 

Ninguém te viu? Só eu, mesmo 

Veem mas não acreditam. Acreditam no concurso à fantasia. Me aplaudem como um efeito especial, riem e voltam a conversar. 

Mas... por que resolveu vir atuar neste ambiente aqui? 

Aqui é um núcleo importante, como outros, onde estão minhas outras cópias, atuando generosas e sem entradas triunfais.  

Este corpo aqui é uma diminuta porção de um corpo planetário que paira ao lado de sua lua branca, sidérico, de mesma matéria que te apresento. Mas para seus parceiros de táxon somos uma sombra ou não somos nada, feito os galeões e caravelas às retinas dos ameríndios primevos. 

Os espíritos que nos “encarnam” nos trazem as células até aqui por considerarem a surpresa um meio de aterrisar em suas consciências.  

Aqui estou.  

E o concurso não parou.  

“Não sei o que dizer. Estou com fome". 

O estômago. Ele está com fome. Diante da revolução. Ele não vê o tamanho da onda. Meus protocolos de respeito e livre-arbítrio exigem que eu espere". 

“A ilha-de-felicidade-equânime foi instalada com sucesso junto da hipófise: os agentes enteógenos farão movimento na medida mínima em que ele fizer algum gesto que lhe gere alegria com ramificações coletivas". 

Missão satisfeita! Saída não sensorial iniciada”. 

... Será que vai chover?  

Bem...  

Eu já volto! 

 

 

 

Fred
2020/02/05

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